sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O MESMO DO MESMO


Estou acordado. Nada de novo. O sol continua lá, majestoso. Pelo menos sob o sol, nada de novo. Amigos meus, pela ocasião (véspera de ano), andam me perguntando:

- Espera alguma coisa?

- Eu? Nada, respondo com voz sumida.

Eles me provocam. É, mas você aqui e acolá, fala em esperança. Lá, isso é verdade. Falo, sim. Assim como falo “meu Deus”, “Díos mio”, “my God”. Por osmose, por osmose. Vocabulariar estes pensamentos não significa necessariamente acreditar no seu conteúdo, em sua essência. Meros clichês. É como dizer “porra” para tudo aquilo que nos contraria e, excepcionalissimamente quando algo nos surpreende. Isto é, quando. Em verdade, sou cético. Em verdade, em análise sumária, “ano novo-ano velho”, é frase surrada, marketing ideológico, na política, na religião, na economia.

Imagino a velha Terra de guerra - neste estertorante rito de passagem – sob este formigueiro humano andando pra lá e pra cá sobre seu lombo, sem destino, repetindo as mesmas coisas a cada segundo. Deve ser uma zorra esse carrossel do Universo. Girando em torno do sol, carregando essa ruma de “que-vão-não-sei-pra-onde”...

Uns já nasceram ouvindo uma voz a dizer que são inadimplentes (dever é um saco). Sapecaram-lhes um “pecado original” nas costas e vivem aí a perambular tentando pagar o preço de uma aventura carnal (o gozo primeiro) jurássica e, nestas horas agonizantes de fim-de-e-véspera-do, ficam em cima do muro transcendental polindo a genitália:

- Satisfaço a alma ou a carne?

Vou passar a régua. Falei demais. Amanhã, se eu não acordar morto, alicerçarei alguma coisa por aqui, erigirei mais um vômito crônico.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

VOCÊ VOTOU EM QUEM?


Próximo ano, 2011 – tá bem ali, como diz o beradêro do meu Ceará agreste -, uma parcela representativa da sociedade brasileira – parlamentares – não tem do que reclamar. Usando do direito, é isso mesmo, usando do direito de legislar em causa própria, no apagar das luzes do ano agonizante, aumentaram seus vencimentos em 61,6%. Não é uma maravilha? Deputados federais e senadores a partir do ano que se aprochega, abocanharão 26.700 Reais todo mês. Aproveitando a cascata de moedas que brota da nascente do Congresso Nacional, deputados estaduais e vereadores mergulham de olhos abertos e os calções cheios de bolsos na farra histriônica. Aqui, no meu Ceará tostadinho pelo sol, também tem disso, sim. Nossos parlamentares que não gostam nadinha de dinheiro, já aumentaram o volume de suas piscinas financeiras. Pulam do trampolim de R$ 12.384 para o patamar de R$ 20.025. Os deputados de periferia (vereadores), de R$ 9 mil para R$ 15 mil. É tão engraçado vê-los justificando o assalto contra a população. Parecem meninos buchudos que roubam pirulitos só porque estes são doces.

Ah, vocês querem saber quanto a galera, é isso mesmo, a arraia miúda que faz a riqueza deste imenso país coberto por uma imensa desigualdade social, vai ganhar no próximo ano como salário? 540 Reais.

Mas, reparando bem, até que a diferença entre o salário dos congressistas e a choldra é pequena. É de apenas 50 salários mínimos. Micharia. Eles merecem. Os de colarinho. Coitadinhos, trabalham tanto...

Há rumores que uma onda se estrebucha, querendo se alevantar, tipo Ficha Limpa. Uma Iniciativa Popular. Cavalgando em cima dos rumores, lemos, entre gotas, que a pororoca política tangida pela massa traz em seu bojo a relativização do aumento de salários, a dizer: parlamentares terão aumento de seus vencimentos à época e de acordo com índice de reajuste dado aos trabalhadores. Aqui, fico eu, sentado à beira do caminho (royalties para Erasmo, o Carlos) polindo o tempo com a flanela da esperança.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A DESIGUALDADE SOCIAL CONTINUA


No apagar das luzes do governo lulista constatamos que, embora saia o Senhor Luis Inácio Lula da Silva sob aplauso e choro saudosos, do assento presidencial, a desigualdade social ainda campeia em nosso país e mais grave: com a aparência de uma pobreza digna. É verdade.

De todas as promessas feitas pelo operário-presidente a que se descolou do papel (retórica eleitoral) foi o combate à pobreza rotulado como Fome Zero. Em verdade, é bom que se diga: redução de danos já protagonizado pelo governo passado. Iniciado em 2003, o programa atendia 3,6 milhões de famílias. Atualmente (2010), conta com 12,8 milhões delas, num raciocínio rápido, perto de 50 milhões de almas e note-se, mais da metade na região Nordeste. Um outro dado: o Brasil (fechando 2010) conta hoje com 192.304.735 habitantes, portanto, temos, ainda, um quarto da população brasileira formado de pobres. Não vou entrar no mérito do quanto foi gasto nesta transferência de renda – iniciada com R$ 3,4 bilhões e no presente em 13,4 bilhões. Porém, acho deveras importante se questionar a sua forma de aplicação, a sua eficácia. O programa beneficia a grupo de famílias que possui renda de até R$ 140 por pessoa (pobres) e de até R$ 70 por indivíduo (indigentes). Os benefícios variam de 22 a 200 Reais. Em verdade, a média do benefício é de 97 Reais. Ressalte-se que o salário-mínimo atual é de R$ 510. Não é e nunca foi “esses balaios todo”. Que o diga o operariado brasileiro. Agora, atentemos para um detalhe. Para evitar fraudes e irregularidades ao Programa, o governo aplicou medidas preventivas, ou seja, cadastro único e controle do cumprimento de algumas tarefas cidadãs por parte dos beneficiados tipo: carta de vacinação das crianças com menos de sete anos de idade deve estar atualizado, os filhos são obrigados (?) a frequentarem a escola e as gestantes devem se submeter ao pré-natal.

Espeeeera aí, cara-pálida. Para que os assistidos recebam a “esmola” precisam estar quites com estas atividades intrinsecamente cidadãs? Perguntamos: onde estão as escolas públicas de qualidade, os postos de saúde, principalmente na zona rural? Respondam-me. E o mais grave: repriso o que diz a nossa Constituição-cidadã: Capítulo II – DOS DIREITOS SOCIAIS – Art. 6 – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (grifo nosso). Uma contradição sem tamanho. Bastava, aí sim, o Estado cumprir o seu papel. Prover as condições ideais à igualdade social.

Alguns áulicos ao contemplarem os efeitos (?) do Bolsa-Família, sussurram ser uma pobreza digna. Ora, não me façam rir. Onde, digam-me, onde existir pobreza digna? Qual a dignidade em ser pobre? Ser um pobre digno é uma coisa, agora... O que dizer, quando nem sonhar podem em constituir um patrimônio estas criaturas? Um detalhe. Neste sete anos de atividade o contingente de assistidos só fez aumentar. Onde se encontram os emancipados pelo Bolsa-Família, mostrem-me. Quero números. Em verdade, o Bolsa-Família é um anestésico, um inibidor de consciência. Transforma o pobre numa mera correia de transmissão da moeda no sistema financeiro e mais, num cabresto eleitoral institucional. Alguma dúvida?

quarta-feira, 10 de março de 2010

CRÔNICA

NO CEARÁ É ASSIM

Fortaleza está molhada. Molhada de suor. Um lençol de calor se abate sobre minha linda e amada Fortaleza, a loira desposada pelo sol do meu Ceará agreste. O sol se esconde. Nuvens negras, pesadas escurecem o céu, mas não se rasgam, não desabam em águas sobre nós. O mormaço é constante, calor de frigideira em fogo de achas de mororó. Todo mundo bebendo água como jumentos de lote, bando de avoantes em beira de rio. Lagartixas, calangos correndo em dois pés com medo de queimar o bucho. Galinhas se aninham perto de geladeiras temendo parir ovo cozido. O calor dança na nossa frente deixando-nos tontos, lerdos. Bebe rios inteiros o sol, a sede é grande, nem ele aguenta. Muitos esperam por um milagre: chover no dia 19 de março, dia de São José. Caso não será sede, sede e caganeira...
MISTURANDO A MASSA

Zéraimundo era um pedreiro das antigas. Boca sempre aberta devido aos dentes expostos, avantajados. Quando falava (uma chuva de perdigotos impregnados de nicotina abafada), empesteava o ambiente, mas, era um bom homem e avaro também. Quando avaliou que o filho de 15 anos já aguentava com o peso de um camburão de massa dosada, levou-o pra ser servente de pedreiro. “Filho de peixe, peixinho é”, filosofava.
Na construção em que trabalhava, todos os dias, faziam um panelaço de comida. Todos traziam de casa a sua cota de feijão e claro, o tempero: tripa de boi, de porco, um pedaço de carne do sul, de toucinho de porco e temperavam o feijão de carregação. Ficava gostoso. Zéraimundo trazia também, só que o seu tempero era colocado no panelão, amarrado pela cintura com palha de carnaúba. O caldeirão fervendo e os “trambei” do Zéraimundo, como diziam seus colegas de trabalho, subindo e descendo na frevura da panela.
Certo dia, Zéraimundo levou uma lata de leite cheinha de paçoca. Na hora do almoço chamou o filho e disse:
- Dedé, chegue a cuia, pegue a paçoca. Quando Zéraimundo abriu a lata o cheirinho gostoso tomou conta do alojamento. Os peões acenderam os olhos e foram se chegando. Zéraimundo pra evitar o “me dá um pouquinho aí” cochicha pro filho, já cuspindo dentro da lata de farofa:
- Anda, cospe dentro da lata, cospe.
O filho, obediente, cuspiu.
Zéraimundo tampa a lata, suspende acima da cabeça como quem está chamando pedra de bingo, sacolejando-a firmemente. A peãozada se afasta com nojo. Zeraimundo destampa o utensílio de flandre trocando um riso de cumplicidade com o filho.
HAIKAI

céu em aquarela
manchas roliças maciças
cinzas pretas dágua

terça-feira, 9 de março de 2010

CRÔNICA

QUEM É DO MAR NÃO ENJOA

No princípio Deus criou os céus e a terra. Gênesis, capítulo 1, versículo 1.
Em criando a terra, seguindo a lógica, Deus criou os países e daí surgiu o nosso, o nosso idolatrado Brasil. E na sua feitura Deus caprichou: um belo oceano, grandes e imensos rios, imensas florestas, belíssimas e fartas fauna e flora... Os anjos ao redor do Supremo cochichavam pasmos. Gabriel, o Arcanjo, não se conteve:
- Senhor, por que tantas benesses para este país?
Deus alisando suas longas barbas brancas, num sorriso de criança prestes a cometer uma travessura respondeu:
- Gabriel se soubesse as criaturas com que irei povoar este país...
Pois é, e cá estamos nós (criaturas de Deus) em meio a esta bonança natural, divina, e, pra variar, servindo a deus e ao diabo, vandalizando... Por mais estranho que pareça tudo contribui para que tenhamos este tipo de atitude. Vejamos 2010, por exemplo. Só tem seis meses de vida útil... É isso mesmo, seis meses. Copa do Mundo, campanha eleitoral, eleições, Natal, tudo cheira a folia, diversão, circo. Pobreza, miséria, desemprego, corrupção (mas menino, ninguém é de ferro), vira samba-enredo, marchinhas de carnaval, alimentam shows de humor nas barracas de praia deste país verde-amarelado metade banhado por águas salgadas.
O paraíso é aqui, claro (com seus inferninhos periféricos), está na planta original elaborada pelo arquiteto do universo. Brasiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiil...

LENDO A NATUREZA

Encostado no vão da porta da cozinha da tapera de taipa já caindo aos pedaços, mão em jeito de ciscador correndo por entre os cabelos da fronte à nuca num vai-vem afobado. O crepuscular que se abate sobre seu roçado está avermelhado de tanajuras. Olhar parado. Raivoso, sonhador, feliz é o desenho surreal se estampando em seu semblante de sertanejo, cabra da peste, do meu agreste Ceará. Rumina.
“Cuma darei de conta de tanto furmiguêro... Ah, qui coisa linda será vê as nêga bunduda im sêos vistido colorido de chita a dibuiá mí, fêjão... Tumá bãin pelado sortano cangapé nas vazante do açude impapado dágua...”

SAPO-BOI

Oh Yara mãe das águas
De cabelos ondulados
Alagada de bondades
Quero ser sapo cantante
Para estar todas as tardes
Com olhos aboticados
Nas mulheres rindo à toa
Nuas, correndo e pulando
Na beirada da lagoa.