segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

CHOVE NO MEU CEARÁ

Fortaleza, X de janeiro de MMXI, minha Fortaleza amada, do meu Ceará agreste, pelo sol calcinada, amanheceu por um lençol cor de chumbo, roto, coberta, gotejada, enxovalhada. A zoada das telhas inchando, ficando avermelhadas tal e qual têtas de virgem quando tateadas. Pingos grossos correndo um atrás do outro pelas valas do telhado, escorregando pelas biqueiras, caindo em salto livre, se despedaçando num estalar sonoro ao redor da casa. Limoeiro, cajueiros, gravioleiras, ateiras, pés de acerolas carregados de passarim. Bem-te-vis, sanhaços, rouxinóis, galos-de-campina, sibites, estrala-bicos, corrupiões, rolinhas fogo-apagou, caldo-de-feijão, pardais, trinando, arrulhando, uma sinfonia; saltitando, vôos rasantes, pega-pegas no chão ciscado, já ensopado do quintal, parecendo crianças ou é o contrário? Lesmas se arrastam na baba; embuás escovam o chão; minhocas tateando terra frouxa, cagando pra cima; largatixas em saltos acrobáticos agarrando cupins, formigas alados. O caboclo sob lençóis, encorujado, entre gemidos da cabocla dengosa, plantando seu sêmen na cova - ao balanço da tipóia cheirando a sabão de coco - no escuro cortado pelo clarão dos relâmpagos, da alcova. Ah, como amo, sob sol, sob chuva, minha Fortaleza, meu Ceará, meu Nordeste.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

CULTIVANDO O ÓCIO


Tenho andado preguiçoso nos últimos tempos sim, para escrever. Segurar o lápis, fazer cócegas no papel. É uma preguiça brava. Mas, em compensação, nestes mesmos últimos tempos apossou-se de mim uma fome canina de leitura. Devorei neste último terço de ano que se foi, uns oito livros. Frutos da ociosidade. Como é bom o ócio. Enquanto se trabalha, não se pensa, não vemos a vida, não usufruímos deste prazer natural que é sentir-se humano, parte da terra. Desde que Deus condenou o homem à tortura (trabalho é tortura, sim senhor) por ter abusado do axioma “crescei e multiplicai-vos”, o ócio virou jóia rara, cobiçada por todos.

Abusando deste privilégio (ócio) folheei e deliciei-me (cito apenas quatro, sem desmerecer os outros) com O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago; Alegres Memórias de um Cadáver, do catarinense Roberto Gomes; Tigipió, de Herman Lima, nascido em Fortaleza, a minha amada, do meu Ceará agreste; e A Pele de Onagro, de Honoré de Balzac, escritor francês, fino em observações psicológicas. Em Saramago, vemos Jesus Cristo como homem amante de Madalena, atormentado pela omissão do seu pai (José) ao infanticídio praticado por Herodes. Em Roberto Gomes, leitura solta, intestino aberto de universidade, um morto querendo ser morto. Em Herman Lima, uma dissertação riquíssima, deslumbrante, do nosso sertão. “Há, nas matas do meu sertão, uma frutinha redonda, cor de ouro, a que chamam tigipió. Dourada, assim, a polpa translúcida, como um bago de uvas, o cheiro e o gosto de mel, é uma tentação, para as bocas sequiosas, que passam.” Em Honoré de Balzac, nos entusiasma filosofando sobre tempo, vida e morte.

Recomendo-os. No mais, aqui na terrinha, sinais de chuva, o calor está demais. Assim, como no Brasil, o otimismo (ou a cautela?) está dilmais.

domingo, 2 de janeiro de 2011

MEIAS-VERDADES, MEIAS-VERDADES


Ouvi ontem, primeiro de janeiro de 2011, o discurso de posse da presidente do Brasil, senhora Dilma Vana Rousseff. Mão estendidas – sentido figurado – solicitando a união de todos pelo bem do país. Também deixou claro sua escolha: proteger os mais fracos.

Em síntese, resumida nesta frase:

- “...trabalharei, que estejamos todos unidos pelas mudanças necessárias na educação, na saúde, na segurança e sobretudo, na luta para acabar com a pobreza, com a miséria...”

Já li em algum lugar que a nossa presidente devorava Lênin, um grande pensador e escritor. Líder da revolução russa. É dele, clássico da literatura política, o livro O Estado e a Revolução. Lênin dizia, que o trabalhador, o operário, tem que desenvolver sua inteligência e gostar de política. Ele via nos sindicatos, a organização proletária, um dos mecanismos para combater, minimizar a desigualdade social, porém, antes de tudo, uma escola de guerra, onde se forja o homem pela sua emancipação social e econômica.

Passei grande parte de minha vida como operário e sindicalista. Na década de noventa, vi-me numa seis horas da manhã de minha Fortaleza ensolarada do meu Ceará agreste, à frente de uma editora, uma empresa gráfica. À época, a maior em infra-estrutura e pessoal da região Nordeste. Eu e meus companheiros denunciávamos o trabalho de menores – ganhavam menos que um salário-mínimo – e dizíamos nós, que iríamos terminar com aquela exploração infantil. O empresário assistia a tudo da porta da editora. Quando me aproximei (eu trabalhava na empresa), o patrão obstou-me com a seguinte frase:

- Não prometa o que você não pode cumprir.

No discurso da nossa presidente ela promete lutar para acabar com a pobreza em nosso país. Louvável. A política é uma ciência onde você pode faltar com a verdade dizendo meias-verdades.

Acabar com a miséria, erradicar a pobreza, (igualdade social) agride, fere de morte os fundamentos do sistema vigente, do capitalismo. Não haverá unidade para isso. O capitalismo se nutre da desigualdade social. É uma questão de sobrevivência, da sua sobrevivência. O povo deve ser mantido em dependência social e econômica e se for necessário, em extrema dependência. A presidente Dilma Vana Rousseff foi eleita para administrar o capital e como tal, tem que preservar os fundamentos do sistema, daí..., o discurso floreado de meias verdades, meias-verdades...

Terminando o relato daquele singular fato histórico sobre os menores daquela editora. Naquele mesmo ano conseguimos fazer o patrão trocar os grilhões de pedra por grilhões de ferro (Karl Marx) daquelas crianças. Passaram a ganhar um salário-mínimo. Nada que incomodasse a ideologia dominante. A servidão moderna mantinha-se intacta.